A censura não começou agora e a Constituição morreu antes
Tomo emprestada, reverentemente, a
primeira estrofe de “De frente pro crime”, de nosso grande João Bosco.
Tá lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto, uma foto de um gol
Em vez de reza, uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém
É o que me vem à mente quando penso
nos desastrosos resultados da política capturada, como num sorvedouro, pelo
topo do poder judiciário com bênçãos do Senado da República e da velha mídia. O
que sobra para vermos e lermos são restos do banquete do leão: restos mesmo e
ossos.
De onde terá vindo a ideia de que a
abominável censura foi instalada anteontem? Depois dos cães farejadores do
espaço digital? Dos cancelamentos de canais e páginas? Das desmonetizações? Das
verdades apagadas por ordem judicial? Da sujeição e vassalagem das plataformas?
Das restrições aos compartilhamentos? Da especulação normativa sobre o que
podem ou não concluir os cidadãos ao serem informados sobre um elenco de
verdades judicialmente reconhecidas como tais? Ou seja, sobre os perigos da
operação das mentes ... livres?
Por outro lado, de onde terá vindo a
ideia de que a Constituição, esse corpo que está lá, estendido no chão, só
anteontem foi atingida em sua essência? Depois de sucessivas interpretações
antagônicas do texto constitucional? Depois das “maiorias de circunstância”
(nas palavras de Joaquim Barbosa) expressarem mais desejo do que convicção?
Depois de todas as invasões às competências do Poder Legislativo e do Poder
Executivo? Depois de serem tais invasões fundadas em brechas interpretativas
abertas a marteladas na Carta de 1988 e maculadas pela estratégia de tomar
conta do pedaço para remover obstáculos ao querer da corte? Depois de se verem
os ministros como “editores de um país” e “poder moderador da República”?
Depois de “tirania do judiciário” se tornar locução corrente no vocabulário
nacional?
Para fins político-eleitorais, a biografia de Lula foi refeita ou higienizada dentro do TSE. (Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor)
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