Os Mansos herdarão a treva – Os Militares não foram os que receberam maiores aumentos. Alguns militares foram beneficiados, mas a grande maioria permanece sem sequer a reposição inflacionária.
Na
“luta” entre imprensa e Bolsonaro, as maiores vítimas são as baixas patentes
das Forças Armadas. Já os generais vão “passando a boiada”.
Nos
últimos dias pelo menos cinco sites de notícias ligados a jornais e revistas
bastante conhecidos publicaram matérias sobre uma suposta primazia que os
militares teriam em relação a aumento salarial. As matérias diferem pouco umas
das outras, mas na verdade todas são ecos de um levantamento feito por uma
instituição chamada Centro de Liderança Pública, “uma organização
suprapartidária que busca engajar a sociedade e desenvolver líderes públicos
para enfrentar os problemas mais urgentes do Brasil”. “O CLP identifica os
problemas e os principais atores e líderes públicos em posição de resolvê-los”.
O resumo do levantamento do CLP é que os militares teriam tido seus salários aumentados
em quase 30% nos últimos dez anos. Os dados podem ser contemplados nos
respectivos cartórios, ou melhor, nos jornais. O que há por trás de ações
aparentemente orquestradas como essa?
Há
muitos vetores atuando nesse plano inclinado. Grande parte da imprensa está em
guerra aberta contra o governo (militar), mas é orgulhosa ou estúpida demais
para admitir que o golpe já foi dado debaixo de seu nariz arrebitado. Como não
conta com munição adequada para ataques direcionados e cirúrgicos, atira o que tem
à mão. Obviamente erra mais do que acerta, causando efeito contrário ao
esperado. Outro obstáculo básico para o correto manejo dessa informação é uma
das deficiências confessas de qualquer jornalista honesto, é dizer, ele é o
sujeito que “sabe quase nada de quase tudo”. Ignorante por conveniência ou por
simples falta de tempo sobre o tema que veicula, agarra-se a relatórios
estatísticos frios e publica meias verdades – em português claro: mentiras.
Esquece-se ou finge não saber (outra especialidade?) que a Estatística, quando
mal usada, é a arte de enganar com os números.
O
que a imprensa – essa entidade que muito apropriadamente já foi chamada de o
“quarto poder – ignora, mas que teria obrigação de saber (antes de fazer o jogo
do inimigo) é que entre o soldado (que ganha um salário mínimo, por força de
lei, pois se dependesse dos generais nem receberia…) e um pomposo general há um
abismo tão descomunal que qualquer pessoa séria se recusaria a classificar os
dois como “militares”. Soldado e general são tão íntimos profissionalmente
quanto o porteiro do Trump Tower e o próprio Donald Trump.
Quando
a imprensa leiga se arvora a tratar dos militares, sem conhecimento de causa,
perde-se na numerologia de institutos tendenciosos, e acaba fazendo o jogo da
regência militar que encabeça o governo e que aparelhou a administração
pública. Ao mirar na palavra “militar”, o jornalista pensa que atinge
Bolsonaro, mas nem mesmo os generais são alvejados. Estes e o capitão
presidente já estão acima do teto há anos. Os generais se blindaram em 2019 ao
aumentarem seus próprios salários como forma de compensar novos descontos
impostos pela reestruturação da carreira. Mas, a tropa, principalmente inativos
e pensionistas, foi deixada no acostamento, à espera da bancarrota. As vítimas
dessa guerrilha de informações mal geridas são justamente os militares mais
pobres, que ficaram de fora das benesses dadas aos generais e oficiais oriundos
das academias militares em 2019.
Como
o diabo faz a panela, mas não faz a tampa, o próprio CLP diz sorridente em seu
site que foi um dos fomentadores da reforma da previdência. Quando o CLP – que
diz trabalhar “por um Estado Democrático de Direito de fato” – afirma, escorado
em relatório enviesado, que entre o soldado e o general ocorreu o “aumento médio”
maior do funcionalismo público, ele na verdade escarnece do estado democrático,
pois iguala o rico ao pobre. De maneira irresponsável manobra a realidade e
vende o delírio liberalóide de que todos os porteiros um dia serão Donald
Trump. A imprensa o que faz? Investiga? Apura? Mostra a realidade por trás dos
números? Não, ela faz o que vem fazendo melhor ultimamente, chancela a mentira,
em nome de uma narrativa, fazendo seu papel de cartório do governo. Imprensa,
iniciativa privada e generais, todos unidos para massacrar os pobres da
caserna.
Um
indício que apoia nossa teoria de que a imprensa profissional não merece mais
respeito do que um blog de esquina pode ser degustado no episódio “Projeto de
Nação – O Brasil em 2035”. Comentamos de passagem sobre o tema no texto “Lugar
de militar”, mas o que reforça a proposta desta presente digressão, isto é, de
que a imprensa nacional não está enxergando bem o que se passa é que (mesmo que
pontualmente) está servindo de longa manus do governo (militar), que supostamente
pretende atingir.
Como
até o diabo tem advogado, talvez sob a pretensão de ser pluralista, inclusivo e
imparcial, o UOL recebeu em 2021 de braços abertos o simpático general Otávio
do Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência. O gesto aparentemente maroto deste
grande veículo de comunicação – talvez crendo ingenuamente que teria um
ex-convertido de língua solta no seu staff – garantiu à Regência (ou “partido”)
militar um propagador e defensor de suas ideias escalafobéticas. O UOL é o
sexto maior portal de conteúdo do Brasil, com mais de 108 milhões de visitantes
por mês. Que melhor caixa de ressonância os generais golpistas poderiam ter? É
bom lembrar que o general colunista defensor do BR 2035 era chefe do Centro de
Comunicação Social do Exército em 2014 e um dos principais assessores do então
comandante, general Eduardo Villas Bôas – sim, o general tuiteiro dá nome a um
dos “think tanks” que elaborou o “Projeto Brasil 2035”. Mas, quantos
jornalistas, que dormem e acordam injuriando Jair Bolsonaro, conseguem ligar
esses pontos?!
O
cerne da questão é mesmo a representatividade. Enquanto a cúpula das Forças
Armadas é secundada por institutos empenados cheios de generais, conta com
generais-comentaristas na imprensa de massa e a conivência democida do governo,
os componentes da “base proletária” dessas mesmas Forças assistem passivos e
mansos à procissão dos que lhes solapam os direitos e lhes varrem para debaixo
do tapete. Os militares pobres só são militares para inflar as estatísticas que
atacam o governo. Como na época de FHC, os generais de Bolsonaro privatizaram
os lucros e socializaram os prejuízos. Vozes solitárias se erguem aqui e ali,
mas a massa não leveda, não cresce, é infensa à organização. Enquanto não
houver solidariedade institucional, enquanto não houver um voz coletiva, que se
faça respeitar, o futuro das categorias de base da classe armada será a treva
pura e simples. (JB Reis/Sociedade Militar)
"Quanto mais cresço, menos sou eu.
Quanto mais me encontro, mais me perco.
Quanto mais me sinto mais vejo que sou flor e ave e estrela e Universo.
Quanto mais me defino, menos limites tenho.
Transbordo Tudo.
No fundo sou o mesmo que Deus."
(Fernando Pessoa)
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