28 de mai. de 2011

O injusto sistema tributário brasileiro

• A questão tributária no Brasil enfrenta um conflito distributivo que envolve a questão da renda e do pacto federativo. O Brasil é um país de elevada concentração de renda, mas o sistema tributário brasileiro não colabora para reverter essa situação. Pelo contrário, tem sido um instrumento em favor da concentração de renda, agravando o ônus fiscal dos mais pobres e aliviando o das classes mais ricas.
• A Constituição de 1988 estabeleceu um conjunto de princípios tributários (eles ainda estão lá escritos) que constituíam uma base importante para a edificação de um sistema tributário baseado na justiça fiscal e social. A começar pela solidariedade que está subjacente a todos os princípios tributários: a isonomia, a universalidade, a capacidade contributiva e a essencialidade. A tributação deve ser pre­ferencialmente direta, de caráter pessoal e progressivo. A CF estabelece ainda que os contribuintes e os consumidores devem ser esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. No art. 150 fica assegurada a isonomia tributária ao se proibir o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, não sendo ainda permitida distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
• Contudo, os princípios constitucionais que permitiriam um novo desenho para o sistema tributário não foram postos em prática, sendo que a nova ordem neoliberal, em curso nos anos de 1990, levou a legislação tributária a minar os avanços obtidos na Constituição. Ao longo dos anos, a legislação infraconstitucional foi sendo alterada, solapando ou tornando nulos os princípios básicos da reforma tributária realizada na Constituição de 1988, agravando as distorções e, sobretudo, aprofundando a regressividade do sistema tributário brasileiro. As modificações realizadas nos anos neoliberais no Brasil constituem verdadeira contrar­reforma tributária, conduzida de forma sorrateira e sem debate com a sociedade.
• As alterações nas legislações infraconstitucionais transferiram para a renda do trabalho e para a população mais pobre o ônus tributário, alterando o perfil da arrecadação. As mudanças foram no sentido de viabilizar o processo de mundialização do capital financeiro, facilitando o livre fluxo de recursos financeiros, e, com isso, permitir a realização de sucessivos superávits primários, viabilizando o ajuste fiscal.
• As principais mudanças realizadas que modificam o perfil da tributação no país e contribuem para a concentração de renda são: a) desoneração da tributação do lucro das empresas por meio da redução da alíquota do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ); b) a instituição dos juros sobre capital próprio, reduzindo a base tributária do Imposto de Renda e da Contribuição Social do Lucro Líquido; c) a isenção de imposto de renda à distribuição de lucros a pessoas físicas, eliminando o imposto de renda na fonte sobre os lucros e dividendos distribuídos para os resultados apurados a partir de 1/1/96, seja o sócio capitalista residente no país ou no exterior; d) eliminação da alíquota de 35% do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), reduzindo a progressividade do Imposto de Renda (IR); aumento do número de declarantes de IR, o que ocorreu pela não correção da tabela de IR (1996 a 2001), fazendo com que os trabalhadores de renda mais baixa fossem tributados.
• Além dos benefícios que as mudanças trouxeram ao grande capital, que passou a pagar menos tributos sobre a sua renda, as pessoas físicas de maior renda passaram a partir das mudanças realizadas a constituírem PJs. O mecanismo é bastante simples: em vez de uma relação de contrato de trabalho regido pela CLT, o empregado monta uma empresa (PJ) que presta serviço para seu antigo empregador; em vez de salário, ele terá lucro distribuído, agora isento de imposto de renda.
• O corolário das mudanças realizadas é que no Brasil a população de baixa renda suporta uma elevada tributação indireta, pois mais da metade da arrecadação tributária do país advém de impostos cobrados sobre o consumo (55% em 2010). Pelo lado do gasto do Estado, uma parcela considerável da receita pública é destinada para o pagamento dos encargos da dívida, o que acaba beneficiando os rentistas, também privilegiados pela menor tributação.
• Somando a tributação incidente sobre o consumo com aquela imputada sobre a renda dos trabalhadores, incluindo a contribuição previdenciária de empregados e servidores públicos, o que se percebe é que o orçamento público no Brasil é financiado pelos trabalhadores assalariados e pelas classes de menor poder aquisitivo, que são responsáveis por 66% das receitas arrecadadas pela União, estados, Distrito Federal e municípios (dados de 2009).
• Os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IB­GE de 2002/2003 revelam que as famílias com renda de até dois salários mínimos arcam com uma carga tributária indireta de 46% da renda familiar, enquanto as famílias com renda superior a 30 salários mínimos gastam 16% da renda em tributos indiretos.
• Outro aspecto particular da tributação sobre a renda no Brasil é que nem todos os rendimentos tributáveis de pessoas físicas são levados obrigatoriamente à tabela progressiva do IR e sujeitos ao ajuste anual de declaração de renda. Enquanto a tributação dos salários obedece às quatro alíquotas estabelecidas na legislação, os rendimentos decorrentes de renda fundiária variam de 0,03% a 20%, conforme o grau de utilização da terra e área total do imóvel; e os rendimentos de aplicações financeiras têm alíquotas que variam entre 0,01 % e 22,5%, conforme o prazo e o tipo de aplicação, privilegiando os rentistas. Também os ganhos de capital na alienação de bens e direitos de qualquer natureza têm uma alíquota de 15%. Essa situação vigente no país evidencia uma maior tributação sobre as rendas derivadas do trabalho.
• Essa falta de isonomia criou uma situação esdrúxula no país, com poucos contribuintes apresentando elevada renda tributável. A título de exemplo, das 23,5 milhões de declarações de ajuste de imposto de renda do ano-base de 2006 (exercício de 2007), apenas 5.292 contribuintes apresentaram rendimentos tributáveis acima de R$ 1 milhão. Paradoxalmente, o número de milionários no país não para de crescer. Conforme revelou o levantamento do The Boston Consulting Group (BCG), o Brasil tinha, em 2008, 220 mil milionários. A fortuna desses milionários está estimada em aproximadamente US$ 1,2 tri­lhão, o que equivale a praticamente metade do PIE brasileiro. Para o BCG, milionários são aqueles que têm mais de US$ 1 milhão aplicado no mercado financeiro.
• Isso ocorre porque a legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital e de outras rendas da economia. A legislação tributária, ao permitir a incidência exclusiva na fonte de determinados rendimentos, acaba estabelecendo discriminações na origem da renda dos contribuintes, pois estes acabam sendo tributados apenas proporcionalmente, fugindo da progressividade. Outro exemplo gritante dessa situação é o fato de que a legislação atual não submete à tabela do IR a distribuição de lucros e dividendos aos acionistas e sócios das pessoas jurídicas.
• O Estado tem obrigação de intervir e retificar a ordem social, a fim de remover as mais profundas e perturbadoras injustiças sociais. A igualdade e a justiça são as bases para a justiça fiscal, que é componente justiça social. Assim, o quantum com que cada indivíduo vai contribuir para as despesas do Estado deve alcançar todos os cidadãos que se acham na mesma situação jurídica, sem privilégios de indivíduos ou classes sociais. A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade.
• Os bens e produtos devem ser tributados de forma seletiva em função de sua essencialidade, taxando-se mais os bens supérfluos e menos os produtos essenciais à vida. Também a opção pela tributação preferencialmente direta visa a observar a capacidade contributiva individual e a transparência. A tributação precisa também ser progressiva para reduzir a concentração de renda.
• A construção de uma tributação mais justa no país passa pelo resgate e reafirmação de diversos princípios tributários, já existentes na Constituição brasileira e que nos últimos anos não vêm sendo observados. É necessário revogar algumas das alterações realizadas na legislação tributária infraconstitucional após 1996, que sepultaram a isonomia tributária no Brasil com o favorecimento da renda do capital em detrimento da renda do trabalho.
• O pilar do sistema tributário deve ser o imposto de renda, pois é o mais importante dos impostos diretos, capaz de garantir o caráter pessoal e a graduação de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Por meio do imposto de renda é possível inverter a ressividade da estrutura tributária brasileira, pois é o imposto mais progressivo. O imposto de renda é um instrumento fundamental para redistribuição da renda, garantindo a justiça fiscal. Por intermédio dele será possível aplicar a máxima igualdade é tratar desigualmente os desiguais no ordenamento tributário do país. Portanto, deve ser ampliado o número de faixas e de intervalos da tabela do IR, estabelecendo alíquotas iniciais inferiores às vigentes hoje e com correção periódica da tabela.
• As políticas sociais devem ter fontes de recursos exclusivas e devem ser prioritariamente realizadas com tributos progressivos, observando os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia, de forma que o financiamento tributário seja realizado com impostos sobre os lucros e dividendos recebidos por sócios capitalistas das empresas, pela regulamentação imediata do imposto sobre grandes fortunas e a tributação sobre o patrimônio.
• As modificações propostas são passos importantes para a construção de uma estrutura tributária mais progressiva e, portanto, mais justa. Com isso, as classes de elevado poder aquisitivo passariam a arcar com o maior ônus tributário, permitindo na prática uma redistribuição de renda no país e a desoneração da tributação sobre a produção e o consumo. (Evilásio Salvador_Jornal dos Economistas)

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