25 de nov. de 2011

A transposição do Velho Chico

• O projeto, em execução, da transposição de águas do Rio São Francisco para o Nordeste brasileiro, quando analisado à luz da engenharia hidráulica, deixa de ser um assunto polêmico para ser apenas uma obra desprovida de qualquer significado. Foi publicado pelo jornal A Tarde, em 27 de novembro próximo passado, um artigo do escritor Antonio Risério intitulado “Sobre o Velho Chico”, ao qual apresentamos as nossas contestações. Entendi, no artigo, que as reações do momento contra a transposição transformar-se-ão em apoio futuro quando executada a obra, como fora o comportamento dos ribeirinhos com a transferência das cidades. A construção das obras da transposição oferece, entretanto, aspectos diferentes. No ano 1820, D. João VI, recebendo informações históricas sobre a grande seca de 1777/79, que avassalou a região, imaginou soluções para amenizar a falta de água para a sofrida população nordestina. Surgiu-lhe, então, a ideia de abrir um canal do Rio São Francisco para o Rio Jaguaribe, atendendo ao clamor das comunidades sequiosas da região.
• A rede potamográfica do Nordeste, apesar de bem distribuída, era e é intermitente, ficando os leitos dos rios dessecados logo após as chuvas.
• Devido à incidência vertical da radiação solar da região próximo ao Equador, a evaporação é descomunal, chega a 3.000 mm/ano, ou seja, uma coluna líquida de 3 metros de água sobe pelos ares anualmente. O nordestino, com sua inventiva, tangido pela necessidade de sobrevivência, foi construindo pequenos barramentos, bastante primitivos, mas que retinham a água por um tempo maior. A ideia foi sendo imitada e todos faziam suas pequenas aguadas. As técnicas foram avançando, e o baronato rural começou a executar açudes de médio porte que já suportavam os períodos estivais. Teófilo Guerra, profundo conhecedor da região, dizia: No sertão, vale mais deixar à família um bom açude do que um rico e belo palácio.
• Os engenheiros nordestinos se aprimoraram em projetos ousados e, no século XX, se tornaram os melhores hidrólogos do mundo nas técnicas da açudagem. Houve uma grande nucleação na construção dessas obras, e chegamos, aos albores do século XXI, com mais de 70 mil açudes (Laraque 1989) em quatro estados – Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, os que gritam por água, armazenando 40 bilhões de metros cúbicos, volume equivalente a 16 vezes a Baía da Guanabara.
• Construímos, assim, a maior rede de açudes do planeta em regiões áridas e semiáridas, mas a ideia da transposição ficou implantada na cabeça de grupos, sobretudo de alguns políticos.
• O subsolo do Nordeste dispõe também de 135 bilhões de m³ de água acumulados, podendo ser extraídos cerca de 27 bilhões por ano sem baixar o nível piezométrico dos seus aquíferos.
• A transposição, obra ciclópica que vai engolir mais de R$ 16 bilhões, se um dia for concluída, transportará inicialmente 26 m³/s de água, ou seja, 400 milhões de m³/ano, volume igual a um açude médio dos milhares que existem na região. No pico, vai transportar 127 m³/s, ou seja, 2 bilhões por ano, volume igual à evaporação de um só açude, o Castanhão, que evapora exatamente 2 bilhões dos 6,7 bilhões que armazena. Este açude no Ceará é o maior do mundo, três vezes a Baía da Guanabara. Os dois canais (norte e leste) vão levar os 2 bilhões de água para oito grandes açudes que já acumulam 13 bilhões e que evaporam 4 bilhões por ano. Chegam 2 bilhões onde evaporam 4 bilhões. Entendamos, 40 bilhões não resolveram o problema hídrico da região, mas 2 bilhões (5%) vão resolver, diz o governo.
• O que falta nos açudes é distribuição através de um robusto sistema de adutoras. Existem apenas 4.000 km de adutoras principais. Necessitamos de 40.000 km para as águas dos nossos açudes viajarem por todos os cantos e recantos do semiárido. Esta é uma análise bem resumida, mas verdadeira. A execução desse projeto é um crime de lesa-pátria que o governo comete contra a sociedade apática do nosso País. Existem no Nordeste brasileiro 38 obras hídricas do governo, inconclusas ou abandonadas. Esta será mais uma, o coroamento da indústria das secas, cujos escombros em concreto ficarão expostos e eternizados à flor da terra, atestando a incúria e a irresponsabilidade do governo. (Manoel Bomfim é engenheiro civil pela Ufba com mestrado em Hidrologia e Geologia)

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