1 de mar. de 2007

Dia de Honrar a Terra

Há séculos que nós, seres humanos, tornamo-nos desatentos com nossa Grande Mãe, Gaya, a Terra. Temos estado ocupados demais, correndo atrás de muitas coisas, as quais, na verdade, nem precisamos tanto assim. Mesmo tendo criado uma infindável quantidade de objetos para preencher nosso vazio, isso não nos fez melhores ou mais felizes. Aliás, nossa insatisfação tem crescido quase constantemente.

O tempo passou e, infelizmente, separamo-nos de nossa Grande Mãe como adolescentes que dão as costas aos pais tentando viver uma vida mais "livre" e "independente". Então, como crianças perdidas, afastadas do profundo Amor Materno, sofremos muito nitidamente.

Nenhum ser humano pode viver sadiamente sem amor verdadeiro, sem equilíbrio, sem carinho, compreensão e harmonia. Logo, nosso afastamento e falta de consideração só tem trazido ainda mais prejuízos para nós mesmos, para a nossa Grande Mãe e para todos os seres que compartilham conosco a teia da vida neste maravilhoso planeta, o nosso único lar.

Eu creio que, quanto maior o descaso com nossa Grande Mãe, quanto maior for o nosso afastamento, mais se aprofundará a nossa inconsciência e insanidade... Apartados de nossa Grande Mãe, nossas atitudes e ações não fazem muito sentido, são vãs, ou, infelizmente, mostram-se destrutivas, pois "ateiam fogo" a nossa casa, nosso único lar.

No Brasil, por exemplo, cerca de 20% da Floresta Amazônica já foi destruída. Se toda a água existente na Terra pudesse ser colocada numa garrafa de dois litros, apenas uma gota representaria a quantidade de água doce, potável, disponível para bebermos, mas, mesmo esta gotinha maravilhosa de água está cada vez mais poluída e sem condições de ser utilizada. Sem Florestas, sem ar puro e fresco, sem água potável, sem terras sadias, simplesmente não podemos viver, pois nós só existimos na mesma medida em que todo o planeta e todos os seus seres existam junto conosco.

Alterações climáticas, devido ao efeito estufa, são percebidas por todo o globo terrestre e não há mais como negar a nossa participação ativa também neste desequilíbrio. Eu sinto que é urgente desenvolvermos, coletivamente, a nossa própria consciência sobre esta qüestão crucial, e tomarmos uma atitude que, definitivamente, possa restabelecer a nossa relação com nossa Mãe maior.

Nossa infelicidade e desesperança, portanto, têm uma causa muito clara. Ela provém do fato negligenciarmos o profundo, delicado e íntimo contato que, originalmente, possuíamos com nossa Grande Mãe. Ele foi "rompido" ou "abandonado" unilateralmente por nós. Sem esse estreito relacionamento, somos como plantas desterradas, secando ao sol. Sem raízes firmes, ligadas ao solo fértil, mesmo muito bem regadas, as plantas não podem viver, florescer nem frutificar. Assim "desconectados", sem darmos ouvidos aos sábios e ancestrais conselhos de nossa Grande Mãe, não conseguimos contato verdadeiro e íntimo sequer conosco mesmos! Assim, não podemos ser realmente felizes. Por mais que um filho ou filha reneguem a sua ancestralidade, ela simplesmente continuará sempre lá.

A nossa mente, esvoaçando por tantas distrações, ávida e excitada por tantas coisas desejadas e almejadas, simultaneamente apartou-se, também, do nosso corpo e coração verdadeiros. Quando nossa mente age assim, separada de nosso corpo e coração, perdemos o momento mais importante de nossas vidas. Na verdade, estamos "ausentes" no único momento de que dispomos, o "momento presente", e deixamos de acessar a nossa vida real. Andamos pelo mundo e pela vida como se nosso corpo não fosse mais "habitado" por nossa mente. Ela está sempre "fora" de nós mesmos. Vivemos pensando no passado e no futuro, sem presenciar nem conhecer a realidade do agora. Caminhando pela rua, estamos "aéreos", perdidos no passado ou amedrontados com o futuro, não estamos ali, vivos, sentindo e presenciando o agora. Olhamos o céu, mas não vemos o céu. Olhamos as pessoas, mas não as vemos. Olhamos as flores, mas não as vemos. Não desfrutamos o ar, a paisagem, não enxergamos a nossa volta, não respiramos relaxadamente. Tudo o que vemos é a nossa própria aflição e preocupação. Então, não vemos o profundo Amor que nos sustenta, nutre e preenche...

Sem estarmos "aqui e agora", neste instante, nossa vida não é real, é só pensamento. Muitas vezes, pensando a vida sem vivê-la realmente, não conseguimos encontrar nenhuma solução, nenhum alívio para nossos problemas e dificuldades. Nossos pensamentos aflitivos concluem que "não podemos fazer nada", porém, isto não é verdade, é só pensamento! Vida real é muito diferente de pensamento, você compreende? Paulatinamente, com nossa mente seguindo sempre por conta própria, de modo automático, longe do nosso corpo e coração, longe do momento presente, perdemos a conexão interior com nossa essência feliz, espontânea, calma, sábia, pacífica e sã, a qual mantém uma profunda comunhão com todas as coisas e seres universais. Sem estarmos presentes, no agora de nossas vidas, corpo-mente-coração sempre juntos, tudo o que fazemos nos leva para mais distante ainda do nosso verdadeiro destino. A longa jornada da vida conduz ao “agora”, ao maravilhoso e insubstituível momento presente, mas, é preciso estar bem "habitado" para enxergarmos isso com clareza e lucidez. Somente com plena atenção ao momento presente, vivendo o maravilhoso "agora", podemos ultrapassar a "venda feita de pensamentos" que impede a nossa perfeita e clara visão da realidade das nossas vidas. Somente com Mente Atenta (mente-corpo-coração sempre juntos no aqui e no agora), encontrar-nos-emos conosco mesmos, com nossa Grande Mãe e com a vida real, amorosa e significativa.

O nosso coração original, como uma bússola, sabe que, em algum momento, perdemos o rumo, pois ele contém a chave desta íntima ligação que todos possuímos com o fluxo maior de todas as coisas, o elo inquebrantável que temos com nossa Grande Mãe, com nosso Pai Cosmos e, por conseguinte, com a nossa felicidade real e duradoura. Separados de nossa essência feliz em nosso coração, separados da nossa Mãe Terra e do nosso Pai Cosmos, somos apenas crianças tristes espalhando todo tipo de dor e sofrimento nesse mundo.

Eu vejo que estes dois processos de "desconexão", com nossa Grande Mãe e com nossa mente-corpo-coração, na verdade, são um único evento. Precisamos revertê-lo, e isso só pode ser feito no íntimo de cada um de nós. Um dia, inspirado nos ensinamentos do Buda, eu disse que "nenhum homem pode pacificar o mundo inteiro, mas cada um pode pacificar a si mesmo" e esta frase tornou-se o lema da Associação Meditar, inspirando os praticantes a persistirem em sua prática. Sinto que algo assim pode inspirar as pessoas a se reconectarem novamente, pois depende de cada um, de cada indivíduo, de cada pessoa, reencontrar-se com a sua essência feliz. Este é o precioso antídoto para nossos males e as dificuldades que estamos vivendo.

De outra parte, apesar do nosso contínuo descaso e inconseqüência, nossa Grande Mãe "faz das tripas, coração" para equilibrar-se… Ela suporta, releva nossos maus tratos e agressões, sem desviar-se do seu intenso Amor e generosidade. Ela tem feito um esforço tremendo em nosso favor e em favor da vida que nela fervilha. Porém, como não poderia deixar de ser, neste momento, ela nos dá sinais de profunda exaustão, cansaço, apresentando tosse, febre constante, calafrios, náuseas, diarréia e profunda falta de ar... Ela não poderá resistir muito tempo mais ao nosso descaso e afastamento. Isto está cada vez mais evidente. Assim como não podemos viver sem ela, ela também não pode mais viver sem nós! Se você estiver atento, ouvirá o gemido, o lamento e sentirá, no fundo do seu coração, que ela perde muito rapidamente as suas forças; não porque queira, tenha desistido de nós, ou do seu Amor incondicional. Não! Isto não é verdade. Um eminente pesquisador, atento aos sinais, usou o termo "vingança"... Eu creio que ele viu muita coisa, mas definiu equivocadamente. "Vingança" é um defeito ou falha humana. A nossa Grande Mãe jamais agiria baseada nisso. Na verdade, tudo o que ela quer e gostaria, é de continuar nos amando e sustentando como sempre o fez. Nós é que não temos permitido que isso ocorra e, com nossas atitudes, provocamos o desequilíbrio, a doença cujos sintomas se manifestam cada vez mais claramente. Exatamente por amar muito seu filho ou filha, uma mãe não consegue evitar de sofrer, chorar e adoecer quando ele ou ela se perde na vida, se desencaminha, pois isto causa profunda dor.

Em contrapartida, estamos a cada dia mais doentes também, exatamente porque ela sofre desta maneira grave e contundente. Quando se vive uma relação real e verdadeira, baseada em Amor puro, é assim que as coisas acontecem. Se um dos lados não está bem, não está feliz, então, o outro lado sente isso e não pode ser completamente feliz também, ainda que tenha toda a riqueza material possível nesse mundo. Para sermos felizes de fato, não precisamos de coisas ou objetos, precisamos corresponder, retribuir ao Amor puro e verdadeiro que recebemos gratuitamente de nossa Grande Mãe. No mínimo, precisamos ter plena consciência de que somos profundamente amados, pois esta é a pura verdade. Sem Amor e afeto verdadeiros, sem carinho, consideração e respeito, nossa felicidade será sempre fugidia, passageira e jamais será capaz de levar serenidade, paz, satisfação real e sanidade ao nosso coração.

"Fazendo as Pazes" com Nossa Grande Mãe
Então, para resolver este dilema que todos estamos enfrentando, eu gostaria muito de convidar você para um pequeno e simples "ato simbólico". Um dia eu vi que uma mísera fagulha, pode atear fogo em toda uma casa… Então, eu procurei pensar neste ato simbólico como algo assim, dotado de grandes possibilidades. Quando brigamos com um ente muito querido e amado, como nosso pai ou mãe, por exemplo, quando nos afastamos por longo tempo, depois de termos feito coisas que nos arrependemos profundamente, é preciso marcar um encontro, estabelecer um compromisso e, muito sinceramente, conscientemente, pedirmos desculpas e, finalmente, fazermos as pazes. A despeito do que tenhamos feito, é preciso expressar, com todas as letras, o nosso sentimento.

Então, é preciso dizer, mesmo que não sejamos compreendidos ou perdoados, o que se passa em nosso coração. Você deve se encher de coragem e dizer: "Peço desculpas, peço perdão por todo descaso e desamor de que fui capaz para com você… Mas, eu queria que ao menos você soubesse de uma coisa: Eu amo você. Você é o amor que existe em mim. Não posso ser realmente feliz sem o seu amor. Você faz parte de mim e da minha vida, e nada poderá mudar isso…" Fazer isso é como tirar toneladas de nossos ombros e pode mudar a nossa vida. Isso acontece quando, mais amadurecidos e vividos, finalmente reconhecemos que nossa atitude não foi adequada e que nosso distanciamento só trouxe mais dor e sofrimento. Quando somos jovens e inexperientes, podemos achar que nos bastamos, que não dependemos de mais ninguém e que nossa força é suficiente para tocar todos os aspectos da nossa vida. Então, quando somos jovens, podemos desprezar o Amor puro e verdadeiro, pois ainda não tínhamos condições de reconhecê-lo, ou percebê-lo. Ele parecia ser justamente o oposto para nós, mas, um dia acabamos tendo de encarar a verdade e a realidade. Neste caso, é crucial fazermos as pazes e restabelecermos contato com o amor puro e verdadeiro de nossa Grande Mãe, pois somente assim poderemos ser felizes realmente. Se deixarmos passar a oportunidade, se deixarmos para depois, talvez aconteça de não haver "depois", pois nada nem ninguém é eterno... Bem, isso seria mesmo desastroso! A vida não tem muito sentido se não estivermos juntos daqueles a quem amamos profunda e verdadeiramente.

O Ato Simbólico: Tocando com Plena Consciência a Mãe Terra
Por todas estas razões e muitas outras que não cabem expor por ora, eu gostaria muito de convidar você para, às 09:00h da manhã de domingo do dia 04 de março de 2007, exatamente após uma madrugada de lua cheia, marcarmos um encontro, um compromisso real e sério com nossa Grande Mãe para, finalmente, pedirmos desculpas a ela por nossa profunda desatenção e, finalmente, fazermos as pazes! Mas, como? Basta, nesta manhã muito especial, encontrarmo-nos nos parques das diversas cidades deste planeta e, profundamente conscientes sobre toda esta antiga separação, distanciamento e desatenção, consertarmos definitivamente nossa relação e "acertarmos os ponteiros"! Com plena atenção, mente e corpo ali presentes, naquele exato momento, tiramos os nossos calçados e, por alguns instantes, "tocamos" carinhosa e conscientemente a nossa Grande Mãe. Então, fazemos juntos uma meditação caminhando, ou uma meditação sentados, para sentirmos esta nova comunicação se firmando dentro de nós. Há muito tempo, quase o dia todo, temos usado sapatos.

Nossos pés, então, não têm tocado muito a face de nossa querida mãe maior. Eu gostaria que, durante este pequeno gesto, permaneçamos todos plenos e conscientes. Eu gostaria que nós meditássemos sobre o quanto temos sido negligentes com ela e sua dor, e comprometamo-nos a, a partir desse momento, voltarmos nossas energias e inteligência para encontrar meios de ajudá-la, de salvá-la e de curá-la. Ela nos guiará. Eu sei que ela irá sorrir para nós e, se estivermos bem atentos, mente, corpo e coração juntos, sentiremos o seu maravilhoso abraço e acolhimento.

Internamente, cada um de nós poderá dizer: "Eu voltei para nunca mais deixá-la. Estou muito feliz agora e prometo tentar não decepcioná-la novamente." Se isso não for feito, o nosso sofrimento, o sofrimento dos seres que compartilham conosco a vida neste planeta e o sofrimento da Terra aumentará muito rapidamente. Separados de nossa Grande Mãe, ficaremos ainda mais insanos e não mais poderemos existir.

Cada um de nós pode contribuir de algum modo e eu tenho muita esperança de que saberemos encontrar formas de reduzir os meios pelos quais poluímos e agredimos a nossa Grande Mãe e, ao mesmo tempo, incrementar maneiras de restaurar o que já foi prejudicado durante tantos anos de separação e negligência.

Esta atitude é simbólica, mas pode chamar a atenção para esta situação, gerar e despertar a energia Amorosa, em todo e em cada coração humano, necessária para transformá-la. Esta energia vem do nosso coração. Ser budista tem a ver com consciência, com estar atento e desperto diante do sofrimento e buscar formas de transformar situações difíceis e dolorosas em sabedoria e liberação, mas, eu creio que este ato simbólico não deveria se restringir apenas a budistas… Na verdade, ele independe totalmente de uma pessoa ser budista ou não-budista. É vital para todo ser humano sobre este planeta, pois tal atitude não depende de religião nem de políticos nem de ideologias nem de dinheiro nem de conhecimento. Esta atitude de maior consciência e compromisso interior não depende de mais ninguém, depende apenas de cada um de nós e de despertarmos a energia inesgotável que habita nossos corações.

Se, finalmente, pudermos nos reconectar com nossa Grande Mãe, e pararmos para tocá-la, ouvindo sua sabedoria e lições maravilhosas, poderemos nos redimir e encontrar novamente o caminho da felicidade verdadeira e perene. Enfim, está em nossas mãos!

Desenvolvendo a nossa Plena Consciência sobre o Interser
Até que chegue esta suprema manhã, na qual marcamos um encontro pessoal com nossa Grande Mãe e onde iremos fazer as pazes com ela, podemos nos mobilizar, dentro de nossas comunidades, para realizarmos reuniões (entre familiares, amigos, vizinhos, igrejas, templos, etc.) com a finalidade de esclarecermo-nos e buscarmos o máximo de conhecimento que pudermos a respeito de formas pelas quais podemos restabelecer a nossa saúde e a saúde de nossa Grande Mãe. Podemos nos perguntar, por exemplo: Como posso produzir menos lixo? Como posso preservar mais a água? Como posso contribuir para reduzir o efeito estufa? O que posso fazer para limpar o ar, a água e a terra? Estas são perguntas que podem ajudar muito a percebermos o quanto cada um de nós depende da nossa Grande Mãe para viver e existir, ou seja, o quanto interexistimos com todas as coisas e o quanto podemos ser felizes se levarmos esta verdade em consideração quando escolhermos o nosso modo de viver.

Uma sincronicidade de corações
Meu mestre de Mente Atenta, Thich Nhat Hanh, esteve na UNESCO apresentando a proposta de um dia mundial sem carros. Ele conseguiu apresentar esta proposta depois de juntarmos milhões de assinaturas, no mundo inteiro, para que ele lá estivesse presente. Ele foi interrompido por aplausos por três vezes em seu discurso, devido à extrema sabedoria que suas palavras continham. A proposta foi aprovada e foi estabelecido o dia 22 de setembro para que a humanidade deixe os carros de lado. É, também, apenas um ato simbólico, mas, juntos, estes dois atos, visam o despertar da nossa energia pura e amorosa, capaz de transformar descaso, desamor e sofrimento em Amor, Compreensão e Felicidade duradoura.

Eu gostaria muito de estar junto com você nesta manhã de domingo, dia 04 de março de 2007. Mesmo que você decida não ir, não tocar e não tentar fazer as pazes com nossa Grande Mãe, eu prometo estar lá, e fazer isto em nosso nome. Mas, eu acredito na força do seu coração e da sua inteligência, e acredito que você estará lá comigo, em comunhão com todos aqueles que assumirem este compromisso restaurador de nossa mais plena paz, saúde e sanidade. Que Jesus, Buda, Maomé, Brahma e todos os seres iluminados, de todas as religiões, estejam conosco e nos ajudem.


Por Enio Burgos (Médico, físico, escritor, compositor, discípulo leigo de Thich Nhat Hanh e de SS o Dalai Lama. Fundador e Idealizador da Editora Bodigaya e da Associação Meditar, entidades criadas com a finalidade de difundir ensinamentos universais e a prática da meditação. Este artigo foi publicado na revista Bodigaya número 19, 2006. -
www.bodigaya.com.br)

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