20 de set. de 2016

Diário do mundo de revés...

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• Cristovam Buarque: Impeachment ficou incompleto. Em entrevista ao Congresso em Foco, senador defende reformas estruturais e diz que atual geração política é viciada. Talvez o Brasil fosse muito melhor se os políticos dos últimos 30 anos tivessem morrido antes dos 30 anos de idade
• Financiamento de campanha: É difícil crer que modelo atual será replicado em 2018, diz Gilmar Mendes.
• Congresso faz últimas votações antes da eleição. Parlamentares se reúnem segunda e terça para votar vetos presidenciais e medidas provisórias. Comissão do Senado busca saída para aumento dos ministros do Supremo. Depois, votações só devem ser retomadas em outubro. 
• Mesmo após impeachment, União mantém despesa milionária com equipe de Dilma. Governo teve que desembolsar em agosto mais de R$ 1 milhão para quitar despesas com 47 ex-servidores públicos que atuaram na gestão da petista.
• Executivo da Andrade Gutierrez relata propina para campanha de Dilma em 2014. A propina permitiu que a Andrade participasse da Usina de Belo Monte; Ex-presidente da Andrade depôs em ações que contestam no TSE chapa da petista com Temer.
• Petrobrás deve anunciar corte de orçamento. Para sinalizar transparência, estatal deve detalhar nesta terça-feira uma nova redução nos investimentos. Petrobras anuncia corte de 25% em seus investimentos para 2017-2021.
• Forças Armadas ficarão na Baixada Fluminense durante as eleições.
• Crítica de Gilmar a Lewandowski abre crise no STF. Gilmar rompe silêncio do STF sobre vergonhoso fatiamento do Impeachment.
• A Odebrecht terá de desembolsar 6 bilhões de reais para fechar seu acordo com a Lava Jato. Além disso, segundo o Valor, a empreiteira deverá pagar 15 milhões de reais para cada um de seus 60 delatores.
• Golpe abortado: Após pedidos de Rogério Rosso e Antônio Imbassahy, Beto Mansur decide, de ofício, retirar o projeto da pauta. Não há entendimento no plenário. Após protestos, deputados desistem de votar projeto que anistia caixa 2. Práticas adotadas antes da lei seriam anistiadas; parlamentares tentaram votar urgência, mas recuaram; Assim que terminou a sessão na Câmara, que por pouco não aprovou a anistia disfarçada do caixa 2: O Brasil não se endireita tão fácil, tem que ter muita martelada ainda. E tem que falar grosso. ( Espiridião Amin)
• Fachin nega pedido de Renan para ampliar prazo de defesa em denúncia. Ele é acusado peculato e uso de documentos falsos desde 2007.
• Cunha acusa homem forte de Temer de irregularidades. Ex-deputado cassado acusa Moreira Franco de estar por trás das irregularidades na operação para financiar as obras do Porto Maravilha, no Rio. Este caso consta de uma das acusações a que o ex-presidente da Câmara responde no Supremo; Moreira nega acusações de Cunha sobre irregularidades.
• OAS repassou R$ 4,8 milhões a empresa suspeita de intermediar propina no governo Serra. Relatório da Lava Jato ao qual O Globo teve acesso mostra que consórcio liderado pela empreiteira nas obras do Rodoanel fez repasse em 15 parcelas a uma firma que, segundo Léo Pinheiro, era utilizada para distribuir dinheiro de corrupção.
• Ex-ministro e ex-deputados pegavam dinheiro vivo, diz entregador de propina. Rafael Ângulo cita Mário Negromonte, Pedro Corrêa e Luiz Argôlo.
• Delcídio envolve Lula, Temer, Geddel, Renan e Cunha em fatiamento da Petrobras. Ex-senador afirma que petista loteou a estatal por apoio político, para evitar impeachment e indiciamento do filho e aprovar a CPMF. Nesse caso, segundo ele, negociação teve as bênçãos do atual presidente e da cúpula peemedebista.
• MPF investiga irregularidades no SantanderPrevi. O Ministério Público instaurou inquérito para investigar supostas irregularidades no SantanderPrevi. Na decisão, menciona falhas de dirigentes em relação à governança, exercida sem transparência e má gestão dos recursos dos participantes e assistidos. Outro lado. Procurado pela Coluna, o SantanderPrevi esclareceu que a discussão refere-se a uma autuação da Previc, ainda em primeiro grau de recurso administrativo, sobre políticas de investimentos adotadas, e não a qualquer alegação de fraude ou irregularidade na administração da entidade.
• Político mais honesto que concursado? Entidades repudiam fala de Lula. Associações de servidores do Judiciário e da Receita repudiam comparação feita pelo ex-presidente de que políticos são mais honestos que concursados porque têm de prestar contas ao eleitor a cada eleição.
• Justiça Federal nega habeas corpus preventivo a presidente do Instituto Lula. Paulo Okamotto é investigado na Operação Lava Jato; desembargador disse que não é possível conceder liminar contra eventual decisão de Sérgio Moro.
• Ao incluiu haitianos em fala na ONU, Michel Temer inflou dados sobre número de refugiados no país.
• Justiça nega recurso do governo para liberar lei do farol baixo. Justiça Federal em Brasília rejeitou recurso da AGU e decidiu manter a suspensão da lei que obriga condutores de todo o país a acender o farol do veículo durante o dia em rodovias.
• Parente na Paraíba identifica família esquartejada na Espanha. Autoridades colocaram investigação sob sigilo; vizinhos dizem que viram brasileiros pela última vez no dia 22.
• Oito viram réus na 1ª ação por terrorismo no Brasil. Juiz recebe denúncia da procuradoria na Operação Hashtag contra acusados de promoção do EI no País.
• Jamais nos renderemos ao medo do terrorismo, diz Obama em Nova York. Após explosão deixar 28 feridos nos EUA, Hillary afirma ser a única capaz de lidar com o problema, enquanto Trump acusa Casa Branca de minimizar atos; Suspeito de ataque em Nova York é indiciado. Rahami recebeu cinco acusações de tentativa de assassinato; fiança imposta foi de US$ 5,2 milhões. Suspeito de explosões em Nova York e Nova Jersey em estado crítico, mas estável. 
• Secretário-geral da ONU acusa governo sírio de matar maioria de civis em guerra civil. 
• Papa se encontra com refugiados e líderes religiosos em Assis. 
• Mais de 300 mil pessoas atravessaram o Mediterrâneo em 2016, denuncia a Acnur. 
• Regime sírio garante que Exército Nacional não atacou comboio humanitário. 
• Urnas eletrônicas sem emissão de recibo continuam a ter uso amplo nos EUA. 
• Incêndio de grandes proporções atinge campo de refugiados na Grécia. Pelo menos quatro mil pessoas precisaram fugir do local após as chamas destruírem as tendas do acampamento, porém não há registro de ferido. 
Ausência de reformas.
Desde que Michel Temer assumiu em definitivo a presidência da República, pelo menos quatro vezes o governo avançou e recuou das reformas trabalhista e da Previdência Social. Juntas ou em separado, elas foram anunciadas e adiadas, ora pelo presidente, ora por seus ministros. Ao mesmo tempo, variam os detalhes sobre o conteúdo de ambas. Um dia ouve-se que direitos sociais serão suprimidos, no outro que não sou idiota para revogar prerrogativas do trabalhador.
Essas reformas também são antecipadas e prorrogadas em seus prazos para chegar ao Congresso. Antes ou depois das eleições? Este ano ou no próximo?
Muita gente conclui que nada foi decidido até agora, sequer estar certo se teremos ou não reformas. O recente choque entre os procuradores de Curitiba e o Lula, com o PT a tiracolo, faz prever um embate olímpico no Congresso, quando os projetos chegarem lá. Não só os companheiros pretendem obstar iniciativas impopulares. Ignora-se a verdadeira reação do PMDB e do PSDB. Depende dizem seus líderes, significando que aprovação e rejeição relacionam-se menos com o conteúdo das mudanças do que com a capacidade de o governo atender as reivindicações de suas bases partidárias. As demais legendas de apoio ao presidente Temer são mais complicadas.
Em suma, nem no ministério há certeza de nada, pois Eliseu Padilha e Henrique Meirelles não falam a mesma língua.
O discurso de hoje do presidente da Republica, na Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York, dificilmente servirá de parâmetro para suposições de nossa política interna.
Nem trombones nem trombetas
Agripino Grieco, o mais cáustico de nossos criticos literários, fazia a barba e cortava o cabelo durante anos a fio com o mesmo barbeiro. O fígaro contava sempre estar trabalhando na elaboração de um romance que ultrapassaria os méritos do D. Quixote, mas sempre que pedia ao cliente para ler uns capítulos, recebia educadas recusas pela falta de tempo. Tendo completado a obra máxima, resolveu arriscar: Peço que pelo menos me dê a honra de escolher o título.
Grieco, para livrar-se do incômodo autor, concordou, dizendo que não precisava ler uma página sequer, e surpreendeu o nosso Cervantes dos trópicos:
O seu livro tem trombones?
Diante da inusitada negativa, indagou: E trombetas?
Também não.
Então aí está o seu título: Nem trombones nem trombetas... (Carlos Chagas) 

Temer lá e cá.
Após ordem e progresso, Temer entra com o lema normalidade e segurança.
O presidente Michel Temer carregou na mala para Nova York duas palavrinhas mágicas para o seu discurso de hoje na abertura da Assembleia-Geral da ONU, na sua agenda bilateral com presidentes e primeiros-ministros e nos seus encontros com, principalmente, setores privados. São elas: normalidade e segurança. Pena que Temer não se encontrará com Barack Obama.
Com a versão do golpe desmilinguindo-se - foram vinte os gatos pingados gritando palavras de ordem na chegada de Temer à cidade -, não seria ele que a resgataria e poria em pauta na sua segunda e mais importante viagem internacional. A ordem é deixar golpe para lá, sair da defesa e partir, não para o ataque, mas para o convencimento de que o Brasil está no rumo certo. 
Temer pretende dizer ao mundo que o País está voltando à maior normalidade, com as instituições funcionando, a relação do governo com o Congresso fluindo e uma grande expectativa nacional de que o pior já passou e todos os esforços são para voltar a crescer, criando condições para a indústria, os empregos, a inclusão.
Pretende dizer também, particularmente aos investidores, que a normalidade institucional vem junto com a restauração da segurança jurídica, do pragmatismo econômico, da abertura aos investimentos. Acabou a era do Estado inchado, do preconceito contra o capital e das canetadas como a que botou o setor elétrico de pernas para o ar. Como acabou a era das alianças internacionais erradas e começa uma outra em que estão na mesa os interesses nacionais - de um lado (o brasileiro) e do outro (o interlocutor).
O discurso de Temer, que fala em tese, foi precedido e está sendo detalhado por compromissos práticos assumidos pelos seis ministros que integram sua comitiva. José Serra, por exemplo, abriu os trabalhos reunindo-se com os chanceleres dos parceiros originais do Mercosul: Argentina, Paraguai e Uruguai. Sem a Venezuela e seu viés, digamos, heterodoxo, o grupo acertou e divulgou que é hora - aliás, já passou da hora - de fechar o acordo com a União Europeia.
Moreira Franco, da infraestrutura, levou o cardápio de obras, concessões e licitações. Fernando Bezerra Filho, as oportunidades no setor de minas e energia. Zequinha Sarney, o discurso de que o Brasil está calibrando bem a proteção ao meio ambiente e a garantia de desenvolvimento. Alexandre de Moraes, da Justiça, respaldou o discurso de ontem sobre refugiados, e Henrique Meirelles, da Fazenda, é o grande troféu do binômio normalidade e segurança.
Em comum, todos fazem duas sinalizações para investidores. Uma é que o novo governo tem força para aprovar no Congresso pelo menos três mudanças essenciais para desobstruir o desenvolvimento: o teto de gastos (ajuste fiscal), a reforma da Previdência (sustentabilidade do sistema) e a flexibilização das leis trabalhistas (combate ao desemprego). O outro compromisso, que pode ser explícito ou velado, é de que o governo não tentará, de nenhuma forma, obstruir a Lava Jato.
A ida de Temer à China foi um treino, aproveitando o G-20 e para trazer uma foto com os maiores líderes do planeta. Esta segunda viagem, ao ainda centro do mundo, já é para valer. Temer discursou na reunião sobre refugiados - um dos maiores problemas deste século, que também aumenta no Brasil -, e vai à ONU não apenas falar para fora (a presidentes e primeiros-ministros), mas também para dentro (a sociedade brasileira). Na verdade, os presidentes brasileiros abrem a assembleia-geral por tradição, mas a repercussão dos seus discursos acaba sendo muito maior no Brasil do que nos outros governos e na imprensa internacional. Temer sabe. Assim como sabe que a demanda por normalidade e segurança em contratos e investimentos é tão grande cá como lá. (Eliane Cantanhêde) 

Vingança à brasileira.
Depois de dez meses de idas e vindas, Eduardo Cunha foi cassado. Escrevi em O Antagonista: Apesar de você, obrigado, Eduardo Cunha. Ou por causa de você, obrigado, Eduardo Cunha.
Devemos ao ex-presidente da Câmara, que agora terá de se haver com o juiz Sergio Moro, o impeachment de Dilma Rousseff. Não há como negar: o seu ato de vingança foi essencial para apeá-la do poder. Se não tivesse aceitado o pedido do trio Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr, Janaína Paschoal, é provável que Dilma ainda continuasse a presidir o Brasil, apesar de todos os seus crimes e com todas as consequências funestas que isso significaria. Aos petistas restou vingaram-se de Eduardo Cunha votando pela cassação dele. Essa história ainda não acabou. O peemedebista disse que contará em livro toda a história do impeachment. Aguardamos ansiosamente, visto que deve sobrar também para seus colegas de partido.
Livramo-nos de duas pragas graças à vingança, sentimento que ensinamos às crianças ser feio, mas que na política brasileira tem servido como antibiótico. Senão, vejamos:
Em 1992, Fernando Collor caiu porque o seu irmão, Pedro, deu uma entrevista bombástica à Veja, para contar as relações promíscuas entre o então presidente e o seu tesoureiro, Paulo César Farias. Pedro estava fulo com o fato de Fernando ter cantado a sua mulher, a calipígia Thereza.
Em 2005, a mesma Veja tentou circunscrever o escândalo de corrupção nos Correios, revelado pela revista, ao PTB de Roberto Jefferson. Ao perceber que o PT estava armando para cima dele por meio da Veja, o petebista procurou a revista para denunciar o mensalão e foi repelido (presenciei o fato). Jefferson, então, soltou o verbo na Folha de S. Paulo, para contar que o esquema era muito maior e comandado pelos petistas.
Roberto Jefferson foi condenado no mensalão, assim como Eduardo Cunha será condenado no petrolão. Ambos levaram consigo os seus algozes.
A morte dos vingativos é final comum no gênero literário-teatral conhecido como peças de vingança, do qual William Shakespeare é o maior mestre. As peças de vingança nacionais, contudo, não estão à altura de um bom dramaturgo. Os seus personagens são demasiado estúpidos.
Fernando Collor foi estúpido ao achar que o irmão seria corneado mansamente. O PT foi estúpido ao acreditar que poderia jogar a culpa da corrupção sobre Roberto Jefferson, sem que ele reagisse. O PT foi igualmente estúpido ao imaginar que poderia anular Eduardo Cunha na presidência da Câmara, um dos cargos mais poderosos da República.
Havia algo de podre no estado da Dinamarca, para citar a frase de Marcellus em Hamlet, a peça de vingança mais popular de Shakespeare. Há algo de podre no estado do Brasil. Não precisamos, contudo, de fantasmas magníficos para os nossos personagens vingarem-se uns dos outros. (Mario Sabino) 

Livre para morrer: a eutanásia da paratleta Marieke Vervoort. 
  photo Marieke Vervoort_zps4xepxhn1.jpgHá poucos dias o jornal francês Le Monde apresentou uma matéria intitulada L’euthanasie au détour des Jeux paralympiques de Rio sobre o caso da paratleta Marieke Vervoot que, desde sua adolescência, é atormentada por uma doença degenerativa. Por isso, depois de tanto sofrer, ela optou pela eutanásia. A despeito de ser uma decisão de foro íntimo, sabemos que o tema é polêmico e, em sociedade, abrange tanto a questão individual, quanto a estatal e a religiosa. Em suma, é um debate sobre a liberdade.
No entanto, independente disso, a paratleta Marieke Vervoort informa que esta será sua última Paralimpíada. De acordo com o Le Monde, A doença degenerativa muscular incurável com a qual ela vive desde sua adolescência se agravou e lhe impede de continuar seus treinos rigorosos necessários para a prática do esporte em alto nível. Nas palavras da própria Marieke Vervoort: Minha doença degenerativa progride e não há nenhuma chance de melhora […] Eu sinto que meu corpo não é mais capaz. Eu adoro estar na minha cadeira, mas eu perco a consciência frequentemente durante os treinos por causa da dor. Meu corpo me diz: pare! Só ela sabe pelo que passa.
Aliás, cabe salientar aqui que a presente discussão trata única e exclusivamente de um caso de eutanásia de uma pessoa com sua capacidade argumentativa e razão em perfeito estado. Logo, não misturemos temas como o aborto, pena de morte, eutanásia para sujeitos em situação de coma e suicídios, por exemplo. Esses são temas que estão em outro departamento cujos envolvidos não se encontram na mesma condição de Marieke Vervoot.
Ela está com a consciência em tão perfeito estado que, como lemos na reportagem, além de sorrir e tratar da questão com naturalidade, diz que tem vários planos para quando encerrar sua carreira esportiva, como viajar, escrever um segundo livro, talvez abrir um museu para contar sua história e que só quando os sofrimentos não forem mais suportáveis e seu corpo estiver próximo de quebrar, ela receberá a eutanásia.
Marieke Vervoort não vai tomar a decisão logo após os jogos, como anunciou em uma conferência de imprensa feita no Rio de Janeiro. A paratleta declarou que Quando chegar o momento em que houver mais dias ruins do que bons, então eu terei meus papéis da eutanásia em mãos. Aliás, ela ressalta que se não os tivesse - pois conseguiu a autorização em 2008 - teria se suicidado há muito tempo. Paradoxalmente, aqui a eutanásia parece ter lhe concedido alguns anos de vida.
A belga afirma que estava muito preocupada antes de ter os papéis, pois em seu país o processo para conseguir tal autorização é longo e difícil. Existem vários processos pelos quais os suplicantes devem passar. Não encontramos estes papéis em lojas, brinca. Na Bélgica a eutanásia é permitida desde 2002. Lá os médicos podem auxiliar o paciente desde que ele tenha uma situação irreversível e esteja em sofrimento mental e físico constante.
Conforme reportagem do jornal Correio Braziliense, que discutiu a questão da eutanásia no Brasil, na Bélgica esta relação entre o médico e o paciente precisa ser longa, e é preciso que o paciente manifeste desejo de morrer. [1] Assim, como noticia o Le Monde, quase 1500 pessoas escolhem morrer por eutanásia a cada ano, sendo que a maioria delas é de pessoas com câncer e que, de acordo com estatísticas de 2013, as vítimas de transtornos mentais somam apenas 5% dos casos.
No Brasil a eutanásia é crime. Por isso a discussão deveria transcender o âmbito jurídico e estatal e levar em consideração situações como o da paratleta Marieke Vervoot, que vive o drama para além dos códigos de lei. Aliás, ela diz esperar que seu caso prove que a eutanásia pode garantir a serenidade e até mesmo ajudar a prolongar a vida. E também que seu caso inspire outros países a introduzir essa legislação. Como ainda não existe nenhum método para transferir a dor de quem passa por isso para aqueles que proíbem o processo da eutanásia em condições como a dela, seria fundamental que a discussão não fosse colocada no ostracismo e tratada como tabu.
A eutanásia sempre foi discutida pelas religiões. Vejamos o posicionamento de algumas delas:
Judaísmo: a kalakhah, que é a tradição legal hebraica, proíbe a eutanásia, mas admite a possibilidade de deixar morrer o paciente em algumas condições, como em condições terminais. [2]
Cristianismo: todas as denominações cristãs proíbem a eutanásia. No caso da Igreja Católica, segundo o catecismo, Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível. [3] 
Ademais, A eutanásia voluntária, sejam quais forem as formas e os motivos, constitui um assassinato. É gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo, seu Criador. [4]
Umbanda: Mesmo no caso em que a morte é inevitável e em que a vida não é abreviada senão por alguns instantes, a eutanásia é sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Divino Criador. [5]
Candomblé: conforme algumas pesquisas, não há consentimento para os praticantes, porém, o que pesa muito para os adeptos do candomblé é a questão cármica da eutanásia. [6]
Budismo: embora a vida seja preciosa, não é considerada divina, pois não existe a crença em um ser supremo ou deus criador. Portanto não existe uma oposição ferrenha à eutanásia ativa e passiva, que podem ser aplicadas em determinadas circunstâncias. [7]
Islamismo: proíbe a eutanásia. Pensam que os médicos não devem tomar medidas positivas para abreviar a vida do paciente. [8]
Espiritismo: de acordo com a Federação Espírita Brasileira, o espiritismo considera que as doenças são efeitos relacionados aos ajustes de atentados cometidos contra a lei de Deus. Devemos aproveitar as enfermidades, mesmo as mais graves, como lições, ainda que dolorosas, as quais, sem dúvidas, nos fornecem melhores condições no plano espiritual e nas próximas reencarnações. [9]
Mas o mais importante de tudo: o que Marieke Vervoort, como uma pessoa livre, pensa sobre a questão? Seria ela adepta de alguma religião? Parece que não. Mas se fosse, mudaria alguma coisa? Afinal de contas, em suas próprias palavras para mim a eutanásia não significa morte, significa repouso. Acho que isso diz muita coisa e, ainda que possa parecer algo ácido de ser dito, depois de feita, a eutanásia não é o tipo de coisa da qual o requerente pode se arrepender. Se as concepções religiosas listadas acima são compreensíveis dentro de suas crenças, mais compreensível ainda é a decisão da paratleta como um indivíduo responsável por suas decisões. A morte vem para todos nós, quem sabe até mesmo a agonia. Todavia, ao passo que morrer não é uma escolha, agonizar pode ser.
Duas perguntas: 1) e se fosse com você? 2) se fosse com um ente querido o qual você precisasse ver agonizar até perder a consciência e que optasse pela eutanásia?
Até que ponto as autoridades e instituições podem proibir uma pessoa em sã consciência que é torturada por dores incuráveis de interromper sua própria aflição? Quer dizer, elas deveriam se intrometer? Não seria uma decisão pessoal? O tema é sensível e provoca debates acalorados e intermináveis. De qualquer forma, fica a reflexão.
[1] A eutanásia no Brasil. Disponível em: Aqui
[2] PESSINI, Leo. A Eutanásia na Visão das Grandes Religiões.
[3] Catecismo da Igreja Católica: 2277.
[4] Catecismo da Igreja Católica: 2324.
[5] Carta Magna de Umbanda. Disponível em: Aqui
[6] Terminalidade da vida: questões éticas e religiosas sobre a ortotanásia. Marcelo S. Xavier; Carmen Silvia Molleis Galego Miziara; Ivan Dieb Miziara. Disponível em:Aqui
[7] PESSINI, Leo. A Eutanásia na Visão das Grandes Religiões.
[8] PESSINI, Leo. A Eutanásia na Visão das Grandes Religiões.
[9] A eutanásia no Brasil. Disponível em: Aqui (Thiago Kistenmacher, estudante de História na Universidade Regional de Blumenau (FURB)) 
Existem verdades que a gente só pode dizer depois de ter conquistado o direito de dizê-las. (Jean Cocteau)

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