A soma e o resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos.
Outro dia foi o aniversário de Lula: 67 anos. Coloquei o retrato deles para
enfatizar que ambos lutaram e chegaram ao mais alto posto de suas vidas e para
isso trabalharam. Não irei escrever sobre viés político, mas o que fomos merece
ser mostrado como exemplos de vidas, lutas, derrotas e vitórias. A vida é um renascer perpétuo, e a morte, um fecho final ou passagem para algum lugar. Não
diferimos deles, alcançamos o que podíamos, nos contentamos com o que temos
e podemos até ser exemplo como eles foram. Defeitos todos temos, viver sim, se doar para todos. Se há uma fagulha de esperança esta reside em se
servir! (Armando Andrade)
Muito bonito o texto abaixo, acho que vale a pena todos o lerem, contudo,
haveríamos de ter um meio de voltá-lo ao autor com esta advertência: defender
o uso da maconha como ele faz, é trabalhar para piorar muito a saúde do povo.
Há pesquisas atuais, e são muitas que, entre outras coisas, definem em mais de
50% a probabilidade de um usuário de maconha fazer um quadro de transtorno
psiquiátrico grave, principalmente se ele iniciou o uso na adolescência. Acho,
sinceramente que ele ainda não sabe disto. (Pedro Chacon)
Os que estão vivos e os mortos
• No fundo estamos condenados ao mistério. As pessoas dizem, eu gostaria
de sobreviver além da minha materialidade...
• Eu não acredito que vá sobreviver mas, pelo menos na memória dos outros, você sobrevive.
• Vivi intensamente isso com a perda da Ruth. Olhando para trás, é claro que ela estava com um problema grave de saúde.
• Apesar disso fizemos uma viagem longa e fascinante à China. É como se o problema não existisse. A gente sabe que um dia vai morrer e no entanto vive como se fosse eterno.
• Depois da morte de Ruth e, mais recentemente, de outros amigos, como Juarez Brandão Lopes e Paulo Renato, eu me habituei a conversar com os que morreram.
• Não estou delirando. Os mortos queridos estão vivos dentro da gente. A memória que temos deles é real.
• À medida que vamos ficando mais velhos, convivemos cada vez mais com a memória. Conversamos com os mortos. Por intermédio da Ruth, passei a lembrar mais dos outros que morreram, dos meus pais, meus avós.
• Os que morreram e nos foram queridos continuam a nos influenciar.
• O que não há mais é o contrário. Não podemos mais influenciá-los.
• Eu não penso na morte. Sei que ela vem. Já senti a morte de perto. Não em mim. Senti a morte de perto nos meus. E procuro conviver com ela através da memória.
• Os que se foram continuam na minha memória e eu converso com eles. Minha mãe, meu pai, minha avó, minha mulher, meu irmão, meus amigos que se foram são meus referentes íntimos. Tudo isso constitui uma comunidade - posso usar a palavra - espiritual, que transcende o dia a dia.
• Então, a morte existe, ela é parte da vida, é angustiante, não se sabe nunca quando ela vai ocorrer. Eu só peço que ela seja indolor. Não sei se será. Ninguém sabe como e quando vai morrer. Pessoalmente, tenho mais medo do sofrimento que leva à morte do que da morte propriamente dita.
• Se não é possível ter a pretensão utópica de sobreviver como pessoa física, é possível ter a aspiração de viver na memória, começando por conviver com a memória dos que se foram.
• Isso tem alguma materialidade? Nenhuma. Isso é científico? Não é. Mas é uma maneira de você acalmar sua angústia existencial. Os mortos queridos vivem dentro de nós. Os que morreram continuam a nos influenciar. Nós é que não podemos mais influenciá-los.
Sentido da Vida
• Aos 80 anos creio que cada um cria o sentido de sua vida. Não há um
único sentido. Isso é muito dramático. Cada um tem que tentar criar o
seu sentido.
• Nesse ponto os existencialistas têm razão. É muito angustiante. Tem uma dimensão da existência que é inexplicável. Ou você consegue conviver com isso no dia a dia sem apelar para a transcendência - digo no dia a dia porque, de vez em quando, todo mundo apela... - ou você tem que criar algum sentido para justificar, se não explicar, o sentido das coisas.
• Nesse ponto os existencialistas têm razão. É muito angustiante. Tem uma dimensão da existência que é inexplicável. Ou você consegue conviver com isso no dia a dia sem apelar para a transcendência - digo no dia a dia porque, de vez em quando, todo mundo apela... - ou você tem que criar algum sentido para justificar, se não explicar, o sentido das coisas.
• Eu criei, imagino que sim. Achei que devia ter uma ação intelectual para entender e para mudar o Brasil. Na verdade é isso que eu queria, mudar as condições de vida no Brasil. A literatura me influenciou muito, sobretudo a nordestina, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado. Depois as Vinhas da Ira, de John Steinbeck, sobre a revolta social na América da Grande Depressão. Ou mesmo Roger Martin Du Gard com Os Thibault e, já noutra direção, André Gide e, também, a metafísica de A montanha mágica, de Thomas Mann. Esse caminho da literatura me contagiou e me levou à política.
• Passei a vida inteira tentando entender melhor a sociedade, os mecanismos
que podem levar a uma sociedade mais decente, como digo hoje, não apenas
mais rica, e sim mais decente. Tem que haver, é claro, algum grau de riqueza,
senão a miséria, a escassez, predomina e então não se tem nem liberdade nem
igualdade. A escassez é a luta, a guerra pela sobrevivência. Tem que haver um
certo bem-estar material. Além disso, porém, é preciso criar uma condição
humana de dignidade, de decência, de aceitação e respeito pelo outro.
• Tentei entender isso do ponto de vista intelectual e fazer a mesma coisa do
ponto de vista político. Então acho que dei um certo sentido à minha vida. Esse
sentido tem que ser dado por cada um. Não está dado que todos tenham que ter
o mesmo sentido e haverá quem nunca encontre sentido na vida e fique batendo
cabeça.
Quando se vai ficando velho e, portanto, mais maduro, você tem que
valorizar mais a felicidade, a amizade, essas coisas que, no começo da vida,
parecem secundárias.
• Essa angústia vai ser permanente. Não tem solução. É parte da
condição humana. Não sabemos de onde viemos, não sabemos para onde vamos.
Tampouco sabemos por que e para que estamos aqui. O que não podemos é
deixar que essa angústia da morte e da ausência de um destino claro nos
paralise.
• Cada um tem que inventar sua resposta. Cada um tem que dar sentido à sua
vida. Ela não tem sentido em si. Esse sentido não está dado. Cada um tem que
construir o seu sentido. E vai sofrer para encontrar.
• Uma resposta está no próprio convívio com os outros. Inclusive com os mortos.
Talvez isso arrefeça um pouco a angústia. Não se vive sem amizade, sem amor,
sem adversidade.
• Quando se vai ficando velho e, portanto, mais maduro, você tem que valorizar
mais a felicidade, a amizade, essas coisas que, no começo da vida, parecem
secundárias. Você continua querendo mudar o mundo, mas sabe que as pessoas
contam.
• Embora eu tenha sempre me definido como mais intelectual do que como
político, na verdade minha vida foi muito mais dedicada ao público. Isso vem da
minha ancestralidade, da minha convivência familiar. O sentido, para mim,
sempre consistiu em buscar fazer alguma coisa que mude a situação mais ampla
do que a minha própria nunca fui uma pessoa voltada em primeiro lugar para
alcançar o meu bem-estar. Eu tenho bem-estar. Diria que quase sempre tive
bem-estar. Mas esse não foi o meu valor.
• Mesmo em termos subjetivos, a ideia de felicidade, nunca busquei com denodo a felicidade pessoal. Eu a tive de alguma forma, nunca me senti infeliz. Eu me dediquei muito mais a ver a situação dos outros. De uma maneira modesta, sem proclamar. Mas levei a vida inteira pensando no mundo, pensando na sociedade, pensando nas pessoas, nos outros.
• O sentido que dei à minha vida foi construir isso. (Fernando Henrique Cardoso)
• Mesmo em termos subjetivos, a ideia de felicidade, nunca busquei com denodo a felicidade pessoal. Eu a tive de alguma forma, nunca me senti infeliz. Eu me dediquei muito mais a ver a situação dos outros. De uma maneira modesta, sem proclamar. Mas levei a vida inteira pensando no mundo, pensando na sociedade, pensando nas pessoas, nos outros.
• O sentido que dei à minha vida foi construir isso. (Fernando Henrique Cardoso)
O carioca Fernando Henrique Cardoso completou 81 anos de idade no dia 18 de
junho de 2012. Conhecido popularmente como FHC, o sociólogo e professor
universitário construiu uma sólida carreira pública. Foi Senador da República,
Ministro das Relações Exteriores, Ministro da Fazenda e presidente do Brasil em
dois mandatos. Além de sua vida pública, é respeitado no mundo acadêmico
internacional. FHC continua atuando politicamente e atualmente preside o
Instituto Fernando Henrique Cardoso, além de participar de diversos conselhos
consultivos, como o Clinton Global Initiative, Brown University e a United
Nations Foundation.
"O destino une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão grande para fazer
esquecer pessoas que por algum motivo um dia nos fizeram felizes".
Nenhum comentário:
Postar um comentário