11 de jan. de 2012

Coisas que mudaram...

Rede Globo
Bastidores da troca no Jornal Nacional (Fátima Bernardes por Patrícia Poeta)
• Depoimento de um jornalista (ex-Globo) sobre a queda-de-braço entre diretores Ali Kamel x Amauri Soares, incluindo as indevidas ingerências e trapaças políticas da Globo, desde os anos 80. Por fim, são contados os acordos com Dilma...etc.
• A Globo confirma a saída de Fátima Bernardes do JN. No lugar dela deve entrar Patrícia Poeta – atual apresentadora do Fantástico.
• Fiz hoje pela manhã – no twitter e no facebook – algumas observações sobre a troca; observações que agora procurarei consolidar nesse post.
Vejo que há leitores absolutamente céticos: ah, essa troca não quer dizer nada. Até um colunista de TV do UOL, aparentemente mal infomado, disse o mesmo. Discordo. Primeiro ponto: a Patrícia Poeta é mulher de Amauri Soares. Nem todo mundo sabe, mas Amauri foi diretor da Globo/São Paulo nos anos 90. Em parceria com Evandro Carlos de Andrade (então diretor geral de jornalismo), comandou a tentativa de renovação do jornalismo global.
• Acompanhei isso de perto, trabalhei sob comando de Amauri. A Globo precisava se livrar do estigma (merecido) de manipulação – que vinha da ditadura, da tentativa de derrubar Brizola em 82, da cobertura lamentável das Diretas-Já em 84 (comício em São Paulo foi noticiado no JN como festa pelo aniversário da cidade), da manipulação do debate Collor-Lula em 89.
• Amauri fez um trabalho muito bom. Havia liberdade pra trabalhar. Sou testemunha disso.
• Com a morte de Evandro, um rapaz que viera do jornal O Globo, chamado Ali Kamel, ganhou poder na TV. Em pouco tempo, derrubou Amauri da praça São Paulo. Patrícia Poeta no JN significa que Kamel está (um pouco) mais fraco.
• E que Amauri recupera espaço. Se Amauri voltar a mandar pra valer na Globo, Kamel talvez consiga um bom emprego no escritório da Globo na Sibéria, ou pode escrever sobre racismo, instalado em Veneza ao lado do amigo (dele) Diogo Mainardi.
• Conheço detalhes de uma conversa entre Amauri e Kamel, ocorrida em 2002, e que revelo agora em primeira mão. Amauri ligou a Kamel (chefe no Rio), pra reclamar que matérias de denúncias contra o governo, produzidas em São Paulo, não entravam no JN. Kamel respondeu: a Globo está fragilizada economicamente, Amauri; não é hora de comprar briga com ninguém. Amauri respondeu: mas eu tenho um cartaz, com uma frase do Evandro aqui na minha sala, que diz – Não temos amigos pra proteger, nem inimigos para perseguir.
• Sabem qual foi a resposta de Kamel? Amaury, o Evandro está morto. Era a senha. Algumas semanas depois, Amauri foi derrubado.
• Kamel foi o ideólogo da retomada consevadora na Globo durante os anos Lula. Amauri foi exilado num cargo em Nova Yorque. Patrícia Poeta partiu com ele. Os dois aproveitaram a fase de baixa pra fazer do limão uma limonada. Sobre isso, o Marco Aurélio escreveu, no Doladodelá.
• Alguns anos depois, Amauri voltou ao Brasil para coordenar projetos especiais; Patrícia Poeta foi encaixada no Fantástico. Só que Amauri e Kamel não se falavam. Tenho informação segura de que, ainda hoje, quando se cruzam nos corredores do Jardim Botânico, os dois se ignoram. Quando são obrigados a sentar na mesma mesa, em almoços da direção, não dirigem a palavra um ao outro. Amauri sabe como Kamel tramou para derrubá-lo.
• Pois bem. Já há alguns meses, logo depois da eleição de 2010, recebemos a informação de que Ali Kamel estava perdendo poder. Claro, manteria o cargo e o status de diretor, até porque prestou serviços à família Marinho – que pode ser acusada de muita coisa, mas não de ingratidão.
• Otavio Florisbal, diretor geral da Globo, deu uma entrevista ao UOL no primeiro semestre de 2011 dizendo que a Globo não falava direito para a classe C (o Brasil do lulismo). Por isso, trocou apresentadores tidos como elitistas (Renato Machado saiu pra dar lugar ao ótimo Chico Pinheiro – aliás, também amigo de Amauri). A Globo do Kamel não serve mais.
• Lembremos que, desde o começo do governo Lula, a Globo de Kamel implicava com o Bolsa-Família. Kamel é um ideólogo conservador. Por isso, nós o chamávamos de Ratzinger na Globo. É contra quotas nas universidades, acha que racismo não existe no Brasil. Botou a Globo na oposição raivosa, promoveu a manipulação de 2006 na reeleição de Lula (por não concordar com isso, eu e mais três ou quatro colegas fomos expurgados da Globo em 2006/2007). E promoveu a inesquecível cobertura da bolinha de papel em 2010 – botando o perito Molina no JN. Nas reuniões internas do comitê global, ao lado de Merval Pereira, tentava convencer os irmãos Marinho dos perigos do lulismo.
• Lula sabe o que Kamel aprontou. Tanto que no debate do segundo turno, em 2006, nem cumprimentou Kamel quando o viu no estúdio da Globo. Isso me contou uma amiga que estava lá.
• Os irmãos Marinho parecem ter percebido que Kamel os enganou. O lulismo, em vez de perigo, mudou o Brasil pra melhor. Mais que isso: a Globo agora precisa de Dilma para enfrentar as teles, que chegam com muito dinheiro e apetite para disputar o mercado de comunicação. Kamel já não serve para os novos tempos. Assim como os pitbulls Diogo Mainardi e Mario Sabino não servem para a Veja.
• Dilma buscou os donos da mídia, passada a eleição, e propôs a normalização de relações. O governo seguiu apanhando, na área ética – é verdade. O que não atrapalha a imagem de Dilma. Há quem veja na tal faxina um jogo combinado entre a presidenta e os donos da mídia. Será? Dilma tiraria as denúncias de letra (o custo ficaria para Lula e os aliados). Do outro lado, os pitbulls perderiam terreno na mídia. É a tal normalização. Considero um erro estratégico de Dilma. Mas quem sou eu pra achar alguma coisa. O fato é que a estratégia hoje é essa!
• Patricia Poeta no JN parece indicar que a normalização passa por Ali Kamel longe do dia-a-dia na Globo (ele ainda tenta manobrar aqui e ali, mas já sem a mesma desenvoltura). Isso pode ser bom para o Brasil.
• Não é coincidência que a Globo tenha permitido, há poucos dias, aquela entrevista do Boni admitindo manipulação do debate de 89. A entrevista (feita pelo excelente jornalista Geneton de Moraes Neto) foi ao ar na Globo News. Alguém acha que iria ao ar sem conhecimento da família Marinho? Isso não acontece na Globo!
• Durante os anos de poder total de Kamel, a Globo tentou reescrever o passado – em vez de reconhecer os erros. Kamel chegou a escrever artigo hilário, tentando negar que a Globo tenha manipulado a cobertura das Diretas. Virou piada. Até o repórter que fez a
reportagem em 84 contou pros colegas na redação (eu estava lá, e ouvi) – o Ali é louco de tentar negar isso; todo mundo viu no ar.
• Ali Kamel nega o racismo, nega a manipulação, nega a realidade. Freud explica.
• Agora, Boni reconhece que a Globo manipulou em 89. Isso faz parte do movimento de normalização. O enfraquecimento de Kamel também faz.
• Tudo isso está nos bastidores da troca de apresentadores do JN. Mas claro que há mais.
• Há a estratégia televisiva, pura e simples. Fátima Bernardes deve comandar um programa matutino na Globo. As manhãs são hoje o principal calcanhar de aquiles da emissora carioca. A Record ganha ou empata todos os dias. Com o Fala Brasil, e com o Hoje em Dia. Ana Maria Braga não dá mais conta da briga – apesar de ainda trazer muita grana e patrocinadores.
• Fátima deve ter um novo programa nas manhãs. Ana Maria será mantida.
• Até porque na Globo as mudanças são sempre lentas - como no Comitê Central do PC da China. A Globo é um transatlântico que se manobra lentamente.
• Se a Fátima emplacar, pode virar uma nova Ana Maria. O programa dela deve contar com outras estrelas globais (Pedro Bial, quem sabe?).
• A mudança de apresentadores tem esse duplo sentido: enfraquecimento de Kamel (que continuará a ter seu camarote no transatlântico global, mas talvez já não frequente tanto a cabine de comando); e estratégia pra recuperar audiência nas manhãs.
• A conferir.
(Publicada quinta-feira, 01/12/2011 às 15:15 e atualizada quinta-feira, 01/12/2011 às 16:09 por Rodrigo Vianna, O Escrevinhador)

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